terça-feira, 17 de julho de 2007

UM MUNDO EM QUATRO PAREDES

“Olha a nova revista Cais. É a nova revista Cais...”
T-Shirt amarela, calças escuras, barba crescida tão negra quanto o cabelo despenteado. Este é o homem que dá as boas vindas à porta do Saldanha Residence. A sua voz não revela entusiasmo. Muitos passam por ele e ignoram-no. Não querem comprar a revista. Pensam que ele é mais um vagabundo a pedir dinheiro. Afinal, é sempre mais fácil fingir que não se vê.
As escadas rolantes levam-nos para um “submundo” completamente diferente. Lá em baixo, a confusão de um típico centro comercial é abafada pelo barulho de uma cascata artificial que ilumina as mesas que estão mais próximas. Esta cascata parece uma forma de se tentar regressar à natureza sem sair da cidade. Não resulta. Os telhados de vidro não deixam passar o Sol, apenas a sombra dos edifícios que não podemos ignorar. Mas as pessoas não reparam. Estão concentradas no seu próprio mundo. Não sabem sequer que estão a ser observadas.
O jovem rebelde, de barba por fazer e cabelo comprido e alinhado, continua a comer o seu hamburguer com batatas fritas enquanto lê A Bola. Há ainda quem prefira uma leitura distinta. Sozinho, na multidão, um homem de bigode e óculos na ponta do nariz lê os conselhos de uma Medicina Alternativa. Ao seu lado, no chão, está um saco do supermercado Modelo Bonjour. Terá feito as suas primeiras compras para uma alimentação mais saudável?
Mas estas mesas são também um ponto de encontro. Um casal de jovens sentou-se à beira da cascata. Precisavam de um lugar mais romântico para conversar. Os seus olhares são sérios, como se algo se passasse. Estão com problemas e tentam resolvê-los. Estão em público e não se podem dar ao luxo de fazer um escândalo. Seria um vexame! No final, um beijo. Uma forma carinhosa de se perdoarem. Para o bem de todos, a discussão não continuou.
As bibliotecas já fecharam. Se assim não fosse, não estaria um rapaz, vestido de fato e gravata como um verdadeiro executivo, rodeado de livros e cadernos de apontamentos. Na mesa não está nenhum tabuleiro. Não teve sede, não teve fome. Ou simplesmente não teve tempo para fazer um intervalo. É tão difícil encontrar a resposta para o seu problema. Já está a folhear o terceiro caderno. Onde está? Eu sei que apontei isto algures. Os seus pensamentos transparecem no olhar desesperado.
A miúda que passa por ele não os ouve. Está encantada com o mundo de fantasia que encontrou: duas estátuas de pedra filmam uma cena de O Feiticeiro de Oz e chamam-na para o quiosque dos doces. É um pequeno oásis de gomas coloridas e chupa-chupas em espiral. Vai aos pulinhos, a saia rodada dança e as sabrinas fazem barulho nos mosaicos do chão. A mãe paga os doces que ela escolheu depois de abrir quase todas as caixas para os cheirar.
De facto, não paira um aroma no ar? Existe uma competição de aromas de todo o mundo: o restaurante chinês, o restaurante italiano, o fast-food americano ou as sopas da avó acabadas de fazer. Dizem que são sopas caseiras. Quem é mais velho não acredita. O velhote de óculos grossos continua a espreitar para dentro do tacho, desconfiado. Come ou não come?
O vencedor desta competição de aromas continua a ser o café Nicola. Este desperta a saudade do que era o café nos velhos tempos, quando não vinha em copos de plástico nem era servido ao balcão. As pessoas passam e bebem-no assim, de pé e sem saborear. Há saudades de um tempo em que um simples café era motivo para longas horas de conversa. Não havia pressa. Não havia tabuleiros deixados nas mesas de cinco em cinco minutos.
Agora, a empregada passa e limpa. É como se nada tivesse acontecido.

GINA MODESTO