terça-feira, 31 de julho de 2007

PORTO DE ABRIGO

Chegaste cá a casa de gata na mão. Sorriso gaiato. Nos olhos o desafio inadiado. Assim mesmo, a gata foi a primeira a entrar.

O filho fora imolado no altar do preconceito, sacrificado aos deuses lares. Assim mesmo.
Gatos tolero cá em casa. Crianças não. Vai-te embora.

Na cidade armada de betão armado, não te deram as boas-vindas. E tu só querias um bom-dia e um sorriso largo. Não pedias muito.

Lá em baixo, um fio de água quase seco era o rio da infância, as compotas da avó, o choro ainda incólume, o cheiro a maresia.

Ai, que assombração tomava o meu espaço, enorme, vazio!

Esta é a minha filha, cuida bem dela – disseste com olhar de sombras no rosto fechado.

E ao insólito disse nada. Assim mesmo. Pus-me lentamente a amar a gata. À distância razoável para evitar sulcos de sangue nas mãos de menina e dores de parto no ventre proscrito.

E as minhas mãos cheias de nada e minha alma de coisa nenhuma…

A gata não fazia qualquer esforço para ser amada. Estava ali. Insubmissa, esquiva. Autêntica.
Fui descobrindo que as palavras eram a real assombração. Dialogando em silêncio com a gata.

Um dia, já tinhas tomado conta do espaço, disseste: - Vou continuar a dizer bom-dia ao rio da cidade. E sorriste o sorriso vagabundo, encasulado no olhar lúcido de criança.

O que é um homem culto, amiga? Serei porventura um homem culto? O brilho dos olhos era sereno. Exigias uma resposta rotunda e negativa. A bem da verdade que habita a tua alma lunar.

Não demorei a reflectir. Tu és um homem sábio. E olhei para a gata. Que só nos teus braços se acolhe. Porto de abrigo.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

SOFIA VASSALO e SILVA inicia a sua AVENTURA na ESCRITA CRIATIVA

A primeira estória de Sofia foi por ela oferecida a este blogue. É a sua resposta ao DESAFIO CRIATIVO nº1. Espero que nos conte mais estórias. E que nunca abandone a sua capacidade de criar.

CADELINHA GULOSA
Era uma vez uma cadelinha muito gulosa. Quando havia festas, escondia-se perto da máquina de lavar loiça e ficava à espera de poder lamber os restos das taças de mousse de chocolate, do leite creme, do arroz- doce...
Um dia, roeu o sapato do dono e engoliu os atacadores. Pensava que era aletria.
Sofia Vassalo e Silva

terça-feira, 17 de julho de 2007

UM MUNDO EM QUATRO PAREDES

“Olha a nova revista Cais. É a nova revista Cais...”
T-Shirt amarela, calças escuras, barba crescida tão negra quanto o cabelo despenteado. Este é o homem que dá as boas vindas à porta do Saldanha Residence. A sua voz não revela entusiasmo. Muitos passam por ele e ignoram-no. Não querem comprar a revista. Pensam que ele é mais um vagabundo a pedir dinheiro. Afinal, é sempre mais fácil fingir que não se vê.
As escadas rolantes levam-nos para um “submundo” completamente diferente. Lá em baixo, a confusão de um típico centro comercial é abafada pelo barulho de uma cascata artificial que ilumina as mesas que estão mais próximas. Esta cascata parece uma forma de se tentar regressar à natureza sem sair da cidade. Não resulta. Os telhados de vidro não deixam passar o Sol, apenas a sombra dos edifícios que não podemos ignorar. Mas as pessoas não reparam. Estão concentradas no seu próprio mundo. Não sabem sequer que estão a ser observadas.
O jovem rebelde, de barba por fazer e cabelo comprido e alinhado, continua a comer o seu hamburguer com batatas fritas enquanto lê A Bola. Há ainda quem prefira uma leitura distinta. Sozinho, na multidão, um homem de bigode e óculos na ponta do nariz lê os conselhos de uma Medicina Alternativa. Ao seu lado, no chão, está um saco do supermercado Modelo Bonjour. Terá feito as suas primeiras compras para uma alimentação mais saudável?
Mas estas mesas são também um ponto de encontro. Um casal de jovens sentou-se à beira da cascata. Precisavam de um lugar mais romântico para conversar. Os seus olhares são sérios, como se algo se passasse. Estão com problemas e tentam resolvê-los. Estão em público e não se podem dar ao luxo de fazer um escândalo. Seria um vexame! No final, um beijo. Uma forma carinhosa de se perdoarem. Para o bem de todos, a discussão não continuou.
As bibliotecas já fecharam. Se assim não fosse, não estaria um rapaz, vestido de fato e gravata como um verdadeiro executivo, rodeado de livros e cadernos de apontamentos. Na mesa não está nenhum tabuleiro. Não teve sede, não teve fome. Ou simplesmente não teve tempo para fazer um intervalo. É tão difícil encontrar a resposta para o seu problema. Já está a folhear o terceiro caderno. Onde está? Eu sei que apontei isto algures. Os seus pensamentos transparecem no olhar desesperado.
A miúda que passa por ele não os ouve. Está encantada com o mundo de fantasia que encontrou: duas estátuas de pedra filmam uma cena de O Feiticeiro de Oz e chamam-na para o quiosque dos doces. É um pequeno oásis de gomas coloridas e chupa-chupas em espiral. Vai aos pulinhos, a saia rodada dança e as sabrinas fazem barulho nos mosaicos do chão. A mãe paga os doces que ela escolheu depois de abrir quase todas as caixas para os cheirar.
De facto, não paira um aroma no ar? Existe uma competição de aromas de todo o mundo: o restaurante chinês, o restaurante italiano, o fast-food americano ou as sopas da avó acabadas de fazer. Dizem que são sopas caseiras. Quem é mais velho não acredita. O velhote de óculos grossos continua a espreitar para dentro do tacho, desconfiado. Come ou não come?
O vencedor desta competição de aromas continua a ser o café Nicola. Este desperta a saudade do que era o café nos velhos tempos, quando não vinha em copos de plástico nem era servido ao balcão. As pessoas passam e bebem-no assim, de pé e sem saborear. Há saudades de um tempo em que um simples café era motivo para longas horas de conversa. Não havia pressa. Não havia tabuleiros deixados nas mesas de cinco em cinco minutos.
Agora, a empregada passa e limpa. É como se nada tivesse acontecido.

GINA MODESTO
FOMOS VISITADOS POR UMA JORNALISTA: GINA MODESTO.

A JORNALISTA GINA MODESTO DEIXA-NOS UMA CRÓNICA, à laia de incentivo.

Tenho o privilégio de ser amiga desta jovem jornalista. Ela compreendeu que eu estava muito triste e frustrada por este blogue não estar a ser visitado, por não haver palavras escritas que respondessem aos meus desafios. O silêncio é tão eloquente que por vezes dói. Ela adivinha quando estou magoada e tem sempre uma tisana e uma boa conversa, um sorriso ou uma bolachinha cúmplice para me dar.

É generosa e sábia a Gina. Desta vez, ofereceu-me o que mais desejava: uma crónica desta cidade onde ambas somos forasteiras. Obrigada, Gina.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

MARIA SÃO MIGUEL desafia-nos CRIATIVAMENTE.

Maria São Miguel tem um olhar tão cúmplice com a vida e os outros que me faz olhar as suas fotografias como poemas, gritos, denúncia. Que me faz olhar as suas fotografias como gotas de água.
Depois de Eduardo Gageiro, ninguém me fizera ver a vida com essa transparência lúcida.

Vão aqui: http://particular-idades.blogspot.com/

Escolham uma foto, de entre as últimas seis publicadas.
Escrevam um texto que essa foto vos inspire. (IDENTIFIQUEM O TÍTULO DO "POST".)
Não há limite de palavras, nem imposição de género.
Escrevam. Têm um bom ponto de partida.
FOMOS VISITADOS POR UMA FOTÓGRAFA - POETA
MARIA SÃO MIGUEL
galerias.escritacomluz.com/mariasaomiguel/random.php

http://particular-idades.blogspot.com/
FOMOS VISITADOS POR UMA ESCRITORA: ISABELLA OLIVEIRA.

Memória e Utopia Companhia ilimitada

"Este é um livro que resgata a infância e a adolescência da autora num Moçambique colonizado a quem as lutas de libertação e a revolução portuguesa deram o conteúdo a esta memória carregada de utopia."- EDIÇÕES AFRONTAMENTO

http://www.macua.org/livros/m&u.html

E ela deixou um recado para nós!

MUITO IMPORTANTE:

"para contar uma história é importante observar, quando se passa. A caneta mais não faz do que pintar o que o olhar guardou, à sua maneira, a da forma como cada um agarra a caneta/ o teclar." Isabella Oliveira